Narrativas e trajetórias de artistas autóctones da Austrália e do Pacífico no contexto dos museus
Résumé
Embora vários antropólogos australianos, como Fred Myers (2002) e Howard Morphy (2008), tenham discutido a circulação internacional de pinturas aborígenes com tinta acrílica vindas do deserto australiano e bark paintings 2 do Território do Norte, até recentemente nenhuma grande pesquisa antropológica havia sido realizada sobre a arte contemporânea feita por artistas autóctones australianos que vivem em cidades. Minha tese de doutorado (2005, p. 10) foi, portanto, estruturada em torno desse tópico. Investiguei se a arte urbana poderia ser considerada um movimento artístico específico, com membros fundadores e eventos marcantes, ou se o termo simplesmente descrevia um modo de vida. Esta segunda ideia foi formulada nos anos 1990 por Wally Caruana, um curador australiano que organizou uma das primeiras exposições institucionais dedicadas a artistas autóctones urbanos, From Charcoal Lane -Urban Focus: Aboriginal and Torres Strait Islander Art from the Urban Areas of Australia 3 (CARUA-NA; MUNDINE, 1994). De acordo com Caruana (1994, p. 180), as expressões "arte urbana" e "arte rural" são "termos úteis para descrever não um estilo, mas o ambiente social do artista". Essa visão foi também compartilhada pela pesquisadora autóctone Marcia Langton (1993), que criticava a oposição estabelecida entre rural e urbano, sob o argumento de que isso pressupõe uma divisão cultural, quando, na verdade, é apenas uma diferença de estilo de vida (NEALE, 2000). 1 Essa tradução contou com apoio financeiro da Capes -Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 2 N.T.: pinturas feitas na entrecasca de eucalipto. 3 N.T.: De Charcoal Lane -Foco Urbano: Arte Aborígene e dos ilhéus do Estreito de Torres vindos das áreas urbanas da Austrália. Na Austrália e no Pacífico, as elites autóctones às vezes criticam antropólogos e curadores por não compreenderem a sua posição, em termos identitários, e por investir suas carreiras em pesquisas que não oferecem benefícios óbvios para as comunidades nativas envolvidas. Ao ouvir artistas aborígenes reclamarem que não havia projetos suficientes promovendo os incentivos criativos que aconteciam, por exemplo, nos centros urbanos do Pacífico e valendo-me da minha própria experiência como curadora assistente para a exposição Paysages Rêvés. Peintures aborigènes de Balgo Hills no Musée des Arts Africains, Océaniens et Amérindiens, em Marselha, comecei a trabalhar como curadora freelance. Procurei oferecer aos artistas com quem trabalhei como antropóloga a oportunidade de expor seus trabalhos na Europa. Por meio da organização sem fins lucrativos Diff'Art Pacific, que criei expressamente para esse fim, organizei uma série de exposições. Na França e na Bélgica, apresentei o trabalho de cerca de trinta artistas autóctones e não autóctones do Pacífico, principalmente jovens que tiveram pouca ou nenhuma experiência com exposições na Europa. Vários ganharam amplo reconhecimento internacional. É o caso de Vernon Ah Kee e Tony Albert, o primeiro na Bienal de Veneza e o segundo na Bienal de Cuba, ambos em 2009. Podemos citar também o caso de Shigeyuki Kihara, ou o movimento de arte Ghost net 4 (LE ROUX, 2016). Um curador deve realizar várias tarefas para organizar uma exposição de arte: estabelecer contato com o (s) artista (s), definir um tema, encontrar parceiros, escolher um local, preparar o material, lidar com os órgãos de financiamento e o processo de negociação com vários desses parceiros. Embora a criatividade seja uma dimensão crucial deste trabalho, não irei insistir neste aspecto do processo, privilegiando, em vez disso, a natureza relacional da obra, ou seja, a dinâmica entre o curador, os organizadores, os organismos financiadores e os artistas. A ênfase nessas dinâmicas elucida o compartilhamento de papéis e a autoridade discursiva, trazendo uma
Domaines
Anthropologie sociale et ethnologieOrigine | Fichiers produits par l'(les) auteur(s) |
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